segunda-feira, 20 de março de 2017

Sonho e alienação


Logo, o conceito central desta construção é o de angústia de aniquilamento, tal como Freud definiu em sua concepção final sobre o tema, como já citado. É importante notar que a ameaça de aniquilamento será experimentada em pólos opostos em relação à dialética alienação-separação, já que antes de existir um sujeito ela será precipitada pela separação e após a constituição ao menos parcial da subjetividade, esta ameaça é vivida pelo risco iminente do retorno à alienação ao desejo do Outro. Esquematicamente seria:

A respeito do "despertar" súbito típico de um sonho de angústia, é interessante notar que na "Interpretação dos sonhos" Freud sentenciou que "a função do sonho é a de guardião do sono" (FREUD, 1900). Um ano mais tarde, em trabalho intitulado "Sobre os sonhos", ele faz a significativa ressalva de que "essa visão não se contradiz pelo fato de haver casos marginais em que o sonho – como ocorre nos sonhos de angústia – já não pode cumprir sua função de impedir a interrupção do sono e assume, em vez disso, a outra função de fazê-lo cessar prontamente... quando as causas da perturbação lhe parecem graves, de um tipo que não pode enfrentar sozinho" (FREUD, 1901 – os grifos são meus). Esta passagem é consonante com a construção aqui defendida sobre sonhos de angústia e é útil para enfatizar algo fundamental: que a constituição plena do sujeito é um processo longo que se inicia nas operações de alienação e separação e se prolonga por extenso caminho até sua conclusão. Análise pessoal pode ser indispensável para que o percurso chegue ao fim, propiciando um verdadeiro despertar.

Desejo e des-ejo

É curioso e revelador observar que, se dividida ao meio, a palavra desejo passa a ser formada por dois elementos que, isoladamente, apontam para sua total anulação: o prefixo des que indica ação contrária ou negação (como em desfazer, desatar) e o sufixo ejo que se presta a reduzir ou diminuir (como em vilarejo, lugarejo) (AURÉLIO, 1986). Por outro lado, é pertinente lembrar que ao se referir à angústia, Kierkegaard a definiu como "antipatia simpatizante e simpatia antipatizante" (KIERKEGAARD, 1844), figura gramatical denominada oxímoro, "que consiste em reunir palavras que se contradizem; paradoxismo (como em 'silêncio eloquente')" (AURÉLIO, 1986). A construção sobre o sonho de angústia aqui defendida nos sugere que o súbito "despertar" que o caracteriza é precipitado pela abdicação inconsciente do "sujeito" ao próprio desejo, na medida em que seu vetor retorna à direção oposta e aponta para a alienação ao desejo do Outro, que é vivenciada durante o sono como uma angustiante ameaça de aniquilamento subjetivo. Assim, poderíamos dizer que no sonho de angústia o desejo do "sujeito" é um oxímoro: desejo alienante. Ou, mais precisamente, talvez ele possa ser definido como um des-ejo.

Sono e desrealização

Chegamos ao cerne da proposta deste trabalho. Para explicitá-lo é necessário que lembremos o conceito psiquiátrico das vivências de desrealização e despersonalização: "transtorno dissociativo (palavras-chave: histérico, conversivo, neurótico) caracterizado por sensação de estranheza ou desligamento em relação aos pensamentos, ao corpo e mundo real, que são percebidos como irreais, longínquos ou 'robotizados', sem prejuízo das faculdades sensoriais. Pode ser acompanhado de crises de ansiedade e outros sintomas" (CID 10, 2003 – os grifos são meus). Por tudo o que foi exposto até aqui, não é difícil perceber a semelhança entre esta descrição de uma vivência dissociativa na vigília e a ameaçadora experiência de um sonho de angústia. Não parece absurdo conjecturar que o mesmo sofrimento psíquico responsável pela desrealização experimentada na vigília possa ser reeditado durante o sono, se aceitarmos a premissa aqui defendida de que o sonho de angústia representa uma vivência de alienação, acompanhada de sentimentos intensos de ameaça de aniquilamento subjetivo. Para dar sustentação a esta construção teórica, recorro novamente a Freud e volto a chamar a atenção para o aspecto de capital importância que nos permite defender esta tese: "é excessivamente fácil esquecer que o sonho é um pensamento como outro qualquer" (FREUD, 1923 – o grifo é meu). É digno de nota que este valioso alerta de Freud foi feito 23 anos após ele ter afirmado a mesma ideia na "Interpretação dos sonhos", o que indica claramente sua convicção sobre ela. A mesma motivação inconsciente que gera a desrealização na vigília está, a nosso ver, na base do que é vivenciado durante um sonho de angústia, o que significa dizer que ambas as experiências refletem um mesmo estado psíquico e se equivalem clinicamente.

Concluindo

Retorno à genial proposição freudiana de que "sonho é a realização de um desejo inconsciente" (FREUD, 1900). Diante do que foi exposto neste trabalho, talvez possamos propor as seguintes formulações sobre o sonho de angústia:

O sonho de angústia é a realização de um des-ejo.
O sonho de angústia realiza um desejo alienante.
O sonho de angústia é vivência de desrealização.

Conclusão

O sonho de angústia está, para o sujeito, a serviço do "não saber" sobre a sua verdade. A angústia é da ordem do indizível: ela não fala, ela cala. E mesmo durante o sono ela cumpre esta função: ela cala o discurso do sujeito do inconsciente que encontra no sonho sua via privilegiada, forçando súbito "despertar" para a realidade, que mantém o sujeito dormindo para o real que o constitui. Indizível, a angústia deve remontar sua origem a uma época anterior à capacidade de simbolização do sujeito, podendo apenas ser presentificada pela vivência corporal. Pela intensidade desta vivência experimentada durante o sonho de angústia e pelo caráter primitivo de suas manifestações – taquicardia, dispnéia, sudorese –, ela aponta para a sensação iminente de aniquilamento, síntese da teoria freudiana sobre a angústia. Se para o bebê separação é ameaça de aniquilamento, para o sujeito a alienação ao desejo do Outro, que pode traduzir-se pela vivência de desrealização, é que deflagra estas intensas manifestações. O sonho de angústia é, sob esta perspectiva, uma vivência de desrealização durante o sono.

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